011

Publicado: 27/07/2010 em Livro das Vozes

Um homem, seu cavalo e seu cão caminhavam por uma estrada. Quando passavam perto de uma árvore gigantesca, um raio caiu, e todos morreram fulminados.
Mas o homem não percebeu que já havia deixado este mundo, e continuou caminhando com seus dois animais; às vezes os mortos levam tempo para se dar conta de sua nova condição…
A caminhada era muito longa, morro acima, o sol era forte e eles ficaram suados e com muita sede. Precisavam desesperadamente de água. Numa curva do caminho, avistaram um portão magnífico, todo de mármore, que conduzia a uma praça calçada com blocos de ouro, no centro da qual havia uma fonte de onde jorrava água cristalina.
O caminhante dirigiu-se ao homem que guardava a entrada.
– Bom dia. Que lugar é este, tão lindo?
– Aqui é o Céu.
– Que bom que nós chegamos ao céu, estamos com muita sede.
– O senhor pode entrar e beber água à vontade.
E o guarda indicou a fonte.
– Meu cavalo e meu cachorro também estão com sede.
– Lamento muito, mas aqui não se permite a entrada de animais.
O homem ficou muito desapontado porque sua sede era grande, mas ele não beberia sozinho; agradeceu e continuou adiante. Depois de muito caminharem, já exaustos, chegaram a um sítio, cuja entrada era marcada por uma porteira velha, que se abria para um caminho de terra, ladeada de árvores.
À sombra de uma das árvores, um homem estava deitado, cabeça coberta com um chapéu, possivelmente dormindo.
– Bom dia – disse o caminhante.- Estamos com muita sede, meu cavalo, meu cachorro e eu.
– Há uma fonte naquelas pedras – disse o homem e indicando o lugar. – Podem beber a vontade.
O homem, o cavalo e o cachorro foram até a fonte e mataram a sede. Em seguida voltou para agradecer.
– Por sinal, como se chama este lugar?
– Céu.
– Céu? Mas o guarda do portão de mármore disse que lá era o céu!
– Aquilo não é o céu, aquilo é o inferno.
O caminhante ficou perplexo.
– Vocês deviam evitar isso! Essa informação falsa deve causar grandes confusões!
O homem sorriu:
– De forma alguma. Na verdade, eles nos fazem um grande favor. Porque lá ficam todos aqueles que são capazes de abandonar seus melhores amigos.

by: Paulo Coelho

010

Publicado: 26/07/2010 em Livro das Vozes

Era uma vez um garoto de olhos vermelhos. Todos tinham medo de seus olhos. Achavam que era alguma doença rara. Mas os médicos não conseguiam encontrar nada de errado. Não tinha amigos. Os outros garotos o ignoravam. Evitavam. Ele não ligara. Achava diferente. Uma marca pessoal. Adorava seus olhos. Cansar-se-á muitas vezes de estar sozinho. Não tinha opção. Ia ao parque às vezes. Ficava a olhar os casais. Famílias. Amigos. Tinha apenas a companhia de velho vira-lata. Ficava a desenhar. Um dia. Parque vazio. Estava concentrado no desenho. O vira-lata a dormir. Não a reparou a chegar. Susto. Ela estava a olhá-lo fixamente. Um olhar diferente. Olhar de curiosidade. Silêncio.
– Como os seus olhos são bonitos… Disse ela.
– O que? Está a falar serio?
Não respondeu. Sentou ao lado dele.
– E desenha muito bem. Muitos detalhes. A árvore esta idêntica.
– Obrigado…
– Este cachorro é seu? – Fez carinho no animal – Ele é muito agradável.
Silêncio. Ficou a olhá-la. Linda. Virou-se para ele. Não tinha reparado. Um olho castanho. Outro verde. Continuou linda. Mais interessante. “Talvez seja por isso que não tenha medo de meus olhos” pensou. Os olhos multicolores fixaram-se fundo nos olhos vermelhos.
– …parecem morangos… Mordeu o ombro esquerdo dele.
O garoto não gritou. Nem recuou. Não reagiu. Apenas a deixou morder.
– …mas não tem o gosto de morangos. Disse a garota.
Riram. Fora uma longa tarde. A marca da mordida nunca mais saiu. Três anos depois nascerá um pequeno menino. Olhos castanhos avermelhados. Uma mancha no ombro direito. Assemelhava-se a uma marca de mordida.

by: Alan


009

Publicado: 22/07/2010 em Livro das Vozes

– Escapamos? Perguntou o lobo da direita ainda enquanto corriam.
– Sim, conseguimos. Respondeu o outro.
Pôr do sol. Despistaram os cães na planície com mato alto. Já corriam por cima da colina.
– Já está bom. Podemos caminhar – Olhou para o amigo – Se feriu na face.
– Apenas um pequeno corte. Não se preocupe. Já até parou de sangrar.
– Teu olho direito está bem? Ele está vermelho enquanto o outro é azul.
– Já não importa. Deve ser por causa da ferida.
Caminharam. As nuvens fechavam o céu seguindo o sol. A floresta está um pouco mais adiante. Silêncio. Duvida.
– Aquilo que os humanos estavam discutindo, pouco antes de descobrirem que estávamos a pegar as suas galinhas, aquele tal deus, achas que algo possa ter criado todo este mundo e o governa de forma onisciente?
O outro lobo parou. Silêncio. Sentiu a brisa. Olhou as nuvens. Ouviu as folhas e a grama dançarem. Silêncio. Lembranças. Era um filhote. Esta a brincar com os irmãos. Tropeçará em uma raiz. Baterá a cabeça em uma árvore. Uma noz cairá em sua cabeça logo em seguida. – É uma idéia estranha, porém, não totalmente absurda. Humanos precisam de algo divino para culpar, agradecer, implorar. Humanos acreditam que a esperança é a ultima a morrer, e sua esperança é aquilo que chamam de deus, que, ironicamente, é imortal.
– Humanos…criaturas estranhas. Presos a sua própria mente, idéias e lógica. Disse o primeiro lobo. Olhará a paisagem a sua frente.
Estavam cansados. Amanhã terão que caçar novamente. Não algo que pertença aos humanos. Nem ao mesmo voltar a suas casas. As suas famílias. Pelo menos por alguns dias. Os cães ainda deveram estar a seguir seus cheiros. A brisa se tornou vento. Chuva. Olhou novamente para o céu. Fechou os olhos. Sentiu cada gota caindo em seu corpo.
– Demos sorte – Disse o primeiro lobo – A chuva dispersará nosso cheiro. Os cães dos humanos desistiram. O Segundo lobo sorriu. Ainda de olhos fechados.
– Realmente, uma idéia estranha, mas não absurda.
– Explica-te.
– Se este tal deus existir, com toda a certeza, ele esta na chuva.

by:Alan

008

Publicado: 20/07/2010 em Livro das Vozes, Poemas

Uma gota em meu rosto
O anuncio do céu
A chuva chegou
Limpando o ar
Que esta cidade sujou

Guarda-chuvas a correr
Outros abaixo da marquise a se proteger
Oras, tens medo de se molhar?

Gotas a cair
Refrescando
Relembrando
Fazendo-me sorrir

Não é a mesma chuva pura
Esta diferente
O progresso a mudou
Mas, mesmo assim
É chuva

Mais fria
Mais dura
Mas, mesmo assim
É chuva

By: Alan

007

Publicado: 19/07/2010 em Livro das Vozes

Era uma vez uma pequena tartaruguinha. Ele estava caminhando pela floresta há vários dias sem encontrar comida.
Sou muito pequena, lenta e tenho patas muito curtas. Neste ritmo morrerei de fome.” pensou. Continuou a caminhar. Cansaço. Parou para descansar. A fome estava muito grande. A deixava com um pouco de sono. Viu um pouco a frente o que parecia folhas de morango. Levantou-se. Usou toda a força que ainda lhe restava para chegar o mais rápido. Engano. Apenas folhas normais. De uma planta normal. A tartaruguinha se irrita.
– Não adianta! Quanto mais eu ando, quanto mais esforço eu faço, mais me sinto longe do meu destino! Já não me resta mais nada. Nem esperanças.
– Já dizia o ditado que a esperança é a ultima a perecer, sendo assim então já esta morta por dentro.
Susto. A tartaruguinha olha para traz. Uma grande tartaruga se levanta saindo dos arbustos.
– Como és grande! Donde vieste? Perguntou a tartaruguinha.
– A floresta guarda muitos mistérios, minha pequena. Muitos deles podem estar mais próximos do que se imagina.
– Infelizmente posso lhe dizer que não ha nenhum alimento próximo. E aposto que também não ha nenhum neste arbusto que sais-te.
– Tens razão, não ha nenhum alimento aqui, mas com certeza há de ter algum um pouco mais adiante.
– Não há. Sinto em lhe informar isso, mas já venho andando há vários dias e nunca encontrei nem mesmo vestígio de um fruto.
– Hora, por mais que tenha andado, teus pés ainda não tocaram o chão a sua frente, não é mesmo?
– Sim, mas…
– Vamos pequenina, o que tens a perder se nem mesmo a esperança possui mais?
A tartaruginha não respondeu. Não tinha o que responder. A grande tartaruga sorriu. Andou a frente. Era bem lenta. Caminharam. A grande tartaruga parou.
– Siga teu caminho. Estou bem. Disse ela
– Mas se ficar aqui morreras de fome.
– Já estou a morrer a vários dias. Mas a morte insiste em não me levar de uma vez. Apenas irei dormir um pouco…
– Não, não pode dormir, senão morreremos!
– Pequenina, pare de ser tão pessimista. Apenas continue. Quando se caminha apenas para frente não se pode ir muito longe mesmo…
Adormeceu. A pequenina ficou alguns segundos a fita-la em seu sono profundo. Caminhou. Caminhou e entendeu. Por mais que se ande, a sempre um lugar para se ir. Subiu uma colina. Uma bela vista da floresta. Uma brisa suave. “Vejo o mundo daqui, mas ninguém me vê” pensou. Jurou nunca mais desistir. Olhou para baixo. Uma plantação de morangos. Seus olhos brilharam. Correu com toda a energia que nem sabia mais que a tinha. Viu em cada um das centenas de morangos todo o seu esforço personificado. Comeu como se nunca tivesse comido. Como se existisse amanha. Os mais vermelhos, os mais doces, os mais suculentos morangos do mundo. Lembrou-se da grande tartaruga. Tomou o caminho de volta. Ia buscá-la. Havia lá comida para vários dias. Foi serena. Vagarosa. Sem pressa de seguir em frente. Não se pode ir muito longe caminhando apenas para frente, afinal, o mundo é redondo.

by: Alan

006

Publicado: 13/07/2010 em Livro das Vozes

Acorda. Havia custado a dormir e agora acordara tão cedo. Há algo de diferente. Uma presença. Abre à janela, o sol mal nascerá. De repente ouve gritos.
– O moinho, o moinho esta a funcionar.
Sai à rua. Todos saem, de pijamas ainda, para verificar. Paralisados. O moinho está a funcionar. Sussurros:
– Como é possível?
– Não há de ser verdade, a menos que…
– A menos o que?
– A menos que ele tenha voltado.
– Tem certeza?
– E aquele moinho há de girar por qualquer outro motivo?
Mais sussurros. A jovem não se contem, corre ate o moinho. No caminho se pergunta o que fará se for verdade. Abre as pesadas portas com dificuldade. O olha por todo o térreo. Sobe no pé direito. Nada, Apenas algumas folhas riscadas, amassadas, queimadas.
– Ola! Tem alguém aqui?
Silêncio. Cortado apenas pelo gemido das engrenagens velhas do moinho.
– Responda! Um grito rouco. Inútil.
A garota sobe as escadas. Cansaço. Chega ao telhado. Apesar da altura, as velas do moinho chegavam mais alto. Os primeiros raios de sol iluminam as colinas ao longo dos campos verdes.
– Ver o nascer do sol entristece-me um pouco, pois ele é a prova de que não dormi durante a bela noite que se seguiu – A moça se vira assustada. Lá está ele. Sentado no para-peito, de costas para ela, a olhar o pequeno vilarejo abaixo de seus pés. Continua sem olhar para ela – Veio me procurar?
A garota não sabe o que dizer. Um ano se passou e não sabe o que dizer a ele. Acaba por não responder, mas por perguntar.
– Porque não me respondeu quando estava chamando-o?
– Porque não ouvi.
– Então como sabe que eu vim o procurar?
– E há de haver outro motivo para vir até aqui?
Novamente não responde, pergunta.
– Porque voltou?
Ele a olha. Seus olhos vermelhos continuam com a mesma cor forte e viva de três anos atrás. Vai ate a garota. Passa a sua mão suavemente nos cabelos dela.
– Tingiu de vermelho escuro há quanto tempo?
– Faz cerca de seis meses que está desta cor.
– Entendo… Ele passa por ela em direção a escada.
– Aonde vai? Pergunta ela.
– A padaria já abriu, tenho fome. Você não vem?
O padeiro, ao vê-lo entrar junto da jovem, abre um sorriso de orelha a orelha.
– Mas não é que os boatos são verdadeiros? Retornas-te para nosso pequeno e humilde vilarejo!
– Pequeno, mas único. E com um enorme coração por me abrigarem, meu velho amigo.
– Fico feliz de recebê-lo novamente aqui depois de tanto tempo.
– Verdade, já faz um certo tempo.
– Sim, um ano. Por onde esteve?
– Pelo mundo.
A garota apenas acompanha a conversa. Pensa em jogar novamente a ele as perguntas que fizera mais cedo e não tivera resposta, mas lembra que teve a mesma ação para com ele.
– Mas diga – disse o padeiro – o que vai querer?
– Ora, o de sempre, meu caro.
O padeiro faz um sinal positivo e sai. Silêncio. Os olhos vermelhos correram pelo ambiente, notando diferenças, trazendo lembranças.
– Onde esteve por este tempo? Perguntou a garota.
– Em vários lugares. Quase todos os lugares. Mas aqui estou novamente. Tomando café nesta padaria, onde eu a encontrei pela primeira vez.
– Sim, estava de noite. Chovendo. A padaria estava a fechar. Você apareceu na porta, com tanto sangue escorrendo de sua cabeça que mau se podia ver seus olhos. Quando o limpamos e o vimos pensamos que estava a sangrar pelos olhos também.
O padeiro voltou com uma xícara de café, um copo d’agua, uma maçã e um pão com manteiga. Pergunto a garota se não gostaria de pedir algo também.
– Comemoração, é por conta da casa.
– Uma xícara de café, por favor.
Tomaram e comeram. Despediram-se do padeiro. Enquanto caminhava o garoto continuou.
– Naquela noite você e o padeiro salvaram a minha vida, e este vilarejo me deu um lar. Diferente de todos os lugares que havia passado antes, as pessoas este vilarejo não tinha medo dos meus olhos. Nem desprezo.
Olhou algumas crianças brincando na única praça do vilarejo. As mães costuravam e conversavam a sombra de uma grande e velha árvore ao centro. Uma das crianças o viu. Acessou gritando.
– Ola de novo, poeta. – O pequeno garoto correu até ele. Puxou-o pela calça – Brinca conosco?
Ele sorriu.
– Claro, mas mais tarde. Tenho que arrumar umas coisas por agora.
– Está bem. Mas vai contar também uma das suas histórias, não é mesmo?
– Vou sim, tenho muitas histórias novas. Mas agora acho melhor voltar para o jogo, senão seus amigos iram vencer.
O pequeno voltou correndo. Os olhos vermelhos ficaram a fitar aquelas crianças por mais alguns minutos.
– Não sabiam quem eu era. Nunca souberam. Mesmo assim me trataram como se tivesse nascido aqui – Disse ele ainda olhando as crianças – E agora, até mesmo as crianças, agem assim e como se eu nunca tivesse saído. Como se eu tivesse saído para comprar leite e voltado dez minutos depois.
– Nunca nos dissera seu nome. Idade. Onde nascerá. Da onde vinha. Para onde ia. O porquê estava naquele estado – Disse a garota. Também olhava para as crianças a brincar – Nunca teve importância quem fora, e sim quem seria. Um poeta. Aquele que contava histórias. Algumas dessas histórias nunca saberemos se foram reais ou não.
Uma suave brisa. Os avermelhados cabelos da garota dançaram ao ritmo da brisa, fazendo a atenção dos olhos vermelhos se voltarem totalmente à beleza da garota.
Uma mão apoiou-se no ombro direito do poeta.
– Andou fugindo do trabalho pesado, não é, seu safado.
Olha quem é e reconhece. Abre um sorriso.
– Mas é claro. Sempre deixava mais difícil para mim. Respondeu.
– Mas você sempre ficava com a melhor parte do cordeiro também. Disse outra voz desta vez da esquerda.
– Acabou que chegou na hora certa novamente. Disse o da direita.
– Amanhã os trigos vão estar no ponto exato para a colheita. Disse o da esquerda.
– E como você tem faltado… Eles são todos seus. Disse novamente o da direita.
– O que? Mas eu…
– Nada de mais. Você está duas colheitas atrasado. Não aceitamos desculpas. Até amanhã.
E se foram antes que o poeta pudesse dizer qualquer coisa.
– É verdade. Os gêmeos que plantam trigo. Foram eles que o ofereceram um trabalho e um lugar para morar a ti quando perceberam que o moinho só funcionava na sua presença. Incrível que, apesar de serem jovens e órfãos, são adultos o suficiente para cuidar tantos trigos, o suficiente para o vilarejo inteiro. Disse a garota.
– Incrível será eu conseguir colher todos aqueles trigos sozinho.
A garota riu e concordou com ele.
– Realmente todos agem como se nada tivesse acontecido. Ninguém sentiu falta da mim.
– Não é verdade. Apenas sempre soubemos que você voltaria. Mas mesmo assim…
– Mesmo assim o que?
– Nada, pensei alto.
Eles continuaram a caminhar. Almoçaram na casa da garota, como de costume. Arroz, feijão, cordeiro, alface, cenouras, como de costume. Dormiram a sombra da árvore em frente à casa logo após o almoço, como de costume. Brincaram com as crianças na praça, como de costume. Todos pararam e o ouviram contar histórias na praça, como de costume. Ajudou o padeiro a limpar e fechar a padaria, como de costume. Subiram novamente ao telhado do moinho e ficaram a ver o pôr do sol, como de costume. Contaram e desenharam estrelas, como de costume.
– Em algumas cidades que estive quase não se via as estrelas. Disse o poeta.
– Que triste.
– Havia tanta poluição e luzes que até mesmo a lua ficava quase invisível.
– Por isso que voltou? Para ver as estrelas? Pergunta a garota com certo tom sarcástico.
– Voltei porque nada mudou. As pessoas continuam a temer meus olhos e julgar-me por eles. O dinheiro e o desejo ainda falam mais alto que a consciência para mudar hábitos. A guerra e a miséria continuam a ser coisas normais. Voltei porque não encontrei o que procurava.
Uma brisa suave e o som do gemido das engrenagens foram os únicos sons a serem ouvidos por alguns segundos, até ela disser.
– Então fora um ano de viagem inútil?
– Não, conheci lugares e pessoas incríveis também. E descobri o que é realmente importante para mim e onde estava aquilo que procurava. Conheci um piloto no deserto que me disse: “Fora o tempo que perdeste com tua rosa que a fizeste tão importante.”. Eu tive que rodar o mundo para entender isto.
A olhou nos olhos. Olhou profundamente. Nunca havia olhado tão fixamente assim. Silêncio. A garota se perde no mar vermelho sangue dos olhos dele. Silêncio. Olham-se como se trocassem pensamentos. Silêncio. As engrenagens cortam o silêncio gemendo sempre com o mesmo intervalo de tempo.
– Salvaste a minha vida, e como pagamento ficou com o meu coração.
– Não foi um pagamento, foi uma troca. O teu pelo meu.
Seus rostos estão próximos. Mais próximos. Silêncio. Os rostos se afastam um pouco. Eles mantêm os olhos fechados, imóveis, prolongando a sensação do beijo. Novamente, desta vez, mais intenso e longo.
Acorda. Os primeiros raios de sol iluminam o interior do moinho. Silêncio. Engrenagens gemendo. Esta sozinha. O primeiro pensamento que a vem: Foi embora novamente, desta vez para sempre.
Olha em volta. Uma pequena mesa a frente da cama. Pães, leite, margarina, queijo, bolo. Uma rosa azul e um papel completam o café da manha.

 

            [ Neste mundo que se consome,
                  eu continuarei te amando
                  hesitando, perdendo, frustrando, lutando
                  nesta e todas as outras noites que se seguiram
                  apenas um nome sairá de minha boca
]

Uma lágrima escorre de seu olho. Ele se foi novamente. Ela tem certeza. A dor desta vez é mais forte. O mais belo adeus deixou a mais profunda das feridas. Contêm as lagrimas. Sabia desde o inicio, mas não quis aceitar. A vida voltou ao seu vazio. Pensa em ir para casa. Olha em volta. Vazio. Sobe novamente ao teto do moinho. O sol está um pouco alto. Devia ter dormido bastante. Uma brisa suave balança os avermelhados cabelos. Olha a paisagem. As colinas ao longe. Um pequeno riacho passando um pouco a frente do vilarejo com algumas vacas a beber de sua água. Os campos de trigo dos gêmeos. Olha novamente. Vê uma pessoa a colhê-los. Não se parece com nenhum dos dois gêmeos. Ele acena. É ele. Corre. Quando o encontra o abraça forte.
– Pensei que estivesse partido.
– E porque faria isto? Já rodei o mundo e encontrei aqui o que queria, lembra-se?
– Eu sei, mas… quando acordei e não o vi, pensei que…
– Apenas acordei cedo para colher os trigos. Não queira acordá-la.
Ela ri para esconder as lágrimas. Passa suavemente a mão no rosto da garota. A beija e abraça. Olha para trás dela e ri.
– Ficaste tão afobada que nem reparou que o moinho ainda está a funcionar.
Olha para trás e vê que é verdade. Ela ri novamente. Esta feliz. Sente-se em paz. O ajuda a colher. Um trabalho que levava o dia todo, mas não há problemas, afinal, tens bastante assunto e histórias para contarem.
O moinho girava mesmo sem o menor vento.


005

Publicado: 09/07/2010 em Livro das Vozes

Era uma vez uma gata que tinha um anel dourado na pata dianteira esquerda. Um dia a gata sofreu um acidente. O doutor disse a ela que infelizmente a cauda teria que ser amputada. A gata não quis. Achava que ficaria feia e não se acostumaria a ficar sem ela. Mas a cauda a fazia sentir fortes dores constantemente, além de não conseguir mais balançá-la. Tentou de todas as maneiras possíveis, mas a sua cauda não melhorava. Um dia, vendo o sofrimento da gata, um amigo a disse:
– Se ele te machuca tanto e tentaste de tudo para melhorar, mas não há mudança, então ele não pode ser algo tão bom para ti, não é mesmo? Para que se prender ao que te machuca se a tanta coisa no mundo que te faz sentir bem?
A gata ficou a pensar. No dia seguinte a gata deixou o consultório do medico sem a sua cauda. Sentiu-se triste por causa da perca, mas mais leve por não sentir mais aquelas dores. Tempos sem passaram e a gata nem mais reparava que não tinha mais uma cauda, afinal, cicatrizes não doem, apenas são marcas para lembrar que a dor foi superada.

by: Alan

004

Publicado: 09/07/2010 em Livro das Vozes

Era uma vez um tigre branco. Como todos os tigres brancos ele vivia sozinho a vagar pela floresta durante o inverno. Em uma de suas caminhadas viu uma coruja encurralando uma coelha que implorava:
– Por favor, não me mate. Tenho filhotes pequenos para cuidar e estou a espera de mais um, eu lhe imploro, não me mate.
Sem nenhum motivo aparente, o tigre se intrometeu e ordenou que a coruja fosse embora. A lebre agradeceu dizendo:
– Muito obrigada, senhor tigre. Devo-lhe mais que a minha vida.
Anos se passaram e o tigre foi ficando velho. Um dia ele foi atacado por caçadores. Escapou, mas teve um ferimento em uma das patas que o impossibilitou de andar por muitos dias. Os dias foram passando e o tigre já estava morrendo de fome e dor quando a lebre apareceu e disse:
– Estou velha também. Bem mais velha que o senhor. Meus filhotes estão todos adultos e fortes, graças ao senhor que me deixou viver para alimentá-los enquanto eram filhotes. Ainda devo-lhe a vida, então para alimentar-se e sobreviver.
– Está louca! Não posso fazer isto. Assim será inútil eu ter a salvado.
– Não, está errado. O senhor me salvou e permitiu que eu cumprisse com o meu dever, ter filhotes e cria-lhos. Já não posso ter mais filhotes. Pagarei a minha divida com o senhor. É melhor que eu me sacrifique hoje e faça o senhor viver mais, do que deixá-lo morrer e quando eu morrer deixar a minha carne para os vermes.
– Mesmo assim… Está certa disto?
– Tão certa que se o senhor não o fizer, eu mesma farei o trabalho de acabar com minha vida para que a minha carne o faça viver.
Alguns dias se passaram desde então. O tigre caminhava novamente pela floresta. Fez uma promessa. Nunca mais comeria carne de coelho.
O gosto havia se tornado horrível.

by: Alan

003

Publicado: 28/06/2010 em Livro das Vozes

Era uma vez uma raposa vermelha. Ela estava triste porque havia emprestado o seu precioso cristal, mas o deixaram cair e ele se quebrou em sete pedaços. Então apareceu um raposo de olhos vermelhos. Ao ver a raposa triste, perguntou o motivo e ela explicou.
– Isto é muito triste – disse o raposo depois de ouvir a historia da raposa – este cristal era muito precioso para ti, não é?
– O único que tenho e terei. O raposo olhou os pedaços do cristal.
– Espere um minuto. Disse o raposo e saiu correndo.

Pouco depois, estava de volta.

– Empresta-me os pedaços?Ela os deu. – Este vai aqui… este ali… aquele acolá e… voalá!
O raposo colou os pedaços do cristal. Parecia novo.
– Você o concertou! Muito obrigada. Mas como conseguirá a cola?
– Isto não importa. Teu cristal está de volta. Devíamos comemorar.
A raposa o olho e reparou que havia um pouco de sangue em uma das patas de trás dele.
– Você a roubou dos humanos. Eles poderiam ter o matado!
– Mas não o fizeram. Aliás, não foi nada. Apenas alguns arranhões de tiro de sal. A raposa colocou-se a lamber as feridas do raposo.

– Meu cristal é muito precioso e único para mim. Mas você também é. Prefiro ter sete pedaços de cristal do que não o ver mais.

O raposo ficou sem fala por alguns segundo e disse apenas um “obrigado“. Começou a chover, mas eles não se importaram. O som das gotas caindo nas folhas era uma bela trilha sonora para uma caminhada pela floresta.

by: Alan

002

Publicado: 28/06/2010 em Livro das Vozes

Era uma vez uma garota bem pequena. Ela tinha longos cabelos vermelhos bem escuros. A garotinha comia muitos vegetais e frutas, pois queria ficar mais alta, achando assim que poderia ver mais longe e o pôr do sol duraria mais tempo. Um dia a garotinha foi ao médico que disse a ela que ela não iria crescer mais. Ela ficou muito triste, e desde então, via sempre o pôr do sol sentada. Um dia, enquanto via o pôr do sol, apareceu um garoto e perguntou:
– Porque vês o por do sol sentada? Assim ele ira durar pouco.
– Não faz diferença para mim, sou muito pequena mesmo.
– Não é verdade. Veja, suba nas minhas costas.
O garoto ajoelhou-se e a garotinha subiu. Ele se levantou. A garotinha se sentiu como se estivesse no mais alto dos prédios e exclamou:
– Nossa… é tão alto! Deve ser tão legal ser tão alto assim.
– Esta fala é minha.
– Como assim?
– Você esta mais alta do que eu neste momento. – respondeu o garoto – Ser alto é legal, mas é muito melhor ter amigos que fazem-te chegar mais alto ainda, e ajudá-los a subir também.
Os dois ficaram a ver o por do sol. Apesar da garotinha estar mais no alto, aquele por do sol não durou mais que os outros, mas foi mais belo do que qualquer outro.

By: Alan